Um Excelente Motivo - por Mario Mammana

Inicio a coluna de hoje, pretensiosamente, com um trecho de um soneto de Camões que diz: “Que me quereis, perpétuas saudades?/ Com que esperança ainda me enganais?/ Que o tempo que se vai não torna mais/ E se torna, não tornam as idades”. Pois bem, dito isto, na última sexta-feira estive presente num encontro de ex-frequentadores do saudoso bar Bom Motivo! A nostalgia hoje é um lucrativo negócio, com empresas especializadas na arte do reencontro. Já estive em encontros de ex-colegas de faculdade, de ex-colegas de trabalho, ex-colegas até de escotismo, mas foi a primeira vez que estive num encontro de ex-amigos de bar! Sensacional!

O Bom Motivo (Rua Deputado Lacerda Franco, 452), inaugurado em 1984 e capitaneado a maior parte do tempo pelo hoje interiorano Roberto Lapiccirella, teve seus anos de glória numa época em que a Vila Madalena ainda não era esse oceano de bares que se vê hoje. Era apenas um bairro residencial, com jeito de cidadezinha do interior e os únicos concorrentes na região eram os não menos saudosos Bartolo, Vou Vivendo e Bar do Sujinho. A fórmula, na época nova, era o “barzinho” com MPB ao vivo (violão, voz e a timba do Maquininha), chopp e uns poucos petiscos (o classicão provolone à milanesa era novidade) que com o tempo foram se sofisticando. Alguns excelentes músicos e cantores passaram pelo bar, incluindo o maravilhoso e falecido Ney Mesquita e a hoje fulgurante Mônica Salmaso. Pois nessa época formou-se uma verdadeira confraria de bebedores de chopp no bar e vários deles eu reencontrei na última sexta. Tudo bem, os cabelinhos brancos de alguns (incluindo este que vos escreve) hoje faiscam até no escuro, mas as boas conversas e as ótimas piadas continuam em plena forma! Os freqüentadores iniciais formavam uma verdadeira célula que, aos poucos, foi se dividindo em prófase, metáfase, anáfase e telófase, outros botecos que foram abrindo nas redondezas, incluindo o filhote da casa, a Choperia Bom Motivo, o Feitiço de Áquila e o fantástico e infelizmente extinto Música e Cia. Mas muitas amizades (e casamentos) surgiram da “célula-mater”. Eu conservo algumas excelentes amizades até hoje!

Atualmente o Bom Motivo, de cara totalmente repaginada e reformada, guarda ainda um pouco daquele boteco meio escuro, com pesadas mesas de madeira e fotos de antigos ícones da música brasileira nas paredes. O dono é novo também. Mas a fórmula permanece. Também permanecem o (bom) garçom Chicão e alguns músicos do antigo Bom Motivo, o que ajuda muito a encarar o desafio de reencontrar os fantasminhas camaradas do passado, quando se entra no bar. Aliás, entrar lá hoje é como passar pelo Túnel do Tempo. Uma estranha mistura de sensações e de memórias.

Eu gosto de pensar que os bons bares, assim como as pessoas, tem um tempo de vida útil que passa pela inauguração, tempos de glória e finalmente a extinção. Às vezes, alguns deles resolvem fazer uma plástica e ressurgem, senão com o antigo viço, com novas armas de sedução. Quanto ao antigo viço, este está lá na nossa memória afetiva, nos confins dos tempos em que freqüentávamos o bar todas as noites e que ele era um pouco da extensão da casa da gente. Um verdadeiro clube onde pagávamos a conta mensalmente e se comemorava a amizade e os “bons motivos” para se estar vivo.

Se houve algum preço? Sim. Nunca fiz a conta mas talvez eu tenha deixado o valor de um apartamento nos cofres do bar. Quem não deixou?