domingo, 19 de dezembro de 2010

Pondo o Pé na Profissão (parte 1/2) - por Mario Mammana

Gatunamente usufruindo da liberdade que o Cantinho me proporcionou aqui, quero terminar o ano falando de um assunto que me é muito próximo e que diz respeito ao mote dessa coluna, qual seja, o prazer e o belo (não o cantor), sendo essas grandezas intimamente relacionadas aos bares e à noite de São Paulo. Talvez a coluna de hoje seja mais longa do que eu pretendia e já peço desculpas de antemão por isso. É que o assunto é vasto! Quero falar de música! Ou mais particularmente dos meus amigos músicos! Peço desculpas também pelo tom intimista e autobiográfico.

Fernando Brandt, letrista dos melhores, começa a música Bailes da Vida dizendo: “Foi nos bailes da vida, ou num bar em troca de pão que muita gente boa pôs o pé na profissão de tocar um instrumento e de cantar não importando se quem pagou quis ouvir”...é, foi assim! Eu me lembro muito bem.

Quanto à minha história, aprendi alguns acordes no violão aos oito anos. A partir daí me tornei auto-didata e um voraz consumidor da revista Violão e Guitarra (Vigú para os chegados). Aos quinze, ganhei um cavaquinho e um método. Saí tocando. Ainda aos tenros quinze anos pratiquei a minha primeira e tímida incursão na noite paulistana. Um amigo da escola me levou ao Bar do Amorim, uma biboca instalada numa sobreloja da Rua Augusta. Ao nosso lado um rapazola magrelo tocava violão como eu nunca havia escutado e cantava como um anjo. Era o Djavan. O meu “debut” foi o melhor que eu poderia imaginar!

Na Faculdade de Direito eu passei meses indo por aí, com o violão debaixo do braço, bebendo cachaça e organizando “violadas” no Centro Acadêmico. Até que, aos 20 anos de idade, dois amigos do bairro me convidaram a formar um grupo de samba! O nome? Grupo Pró-Alkool (assim com k mesmo) mais em referência às quantidades de álcool ingeridas pelos membros do que ao então emergente programa energético governamental. Durante cinco anos tocamos na noite, muitas vezes dormindo sobre os instrumentos, em razão do trabalho durante o dia e da faculdade. Fizemos uma pequena história, tivemos um vasto fã-clube feminino e tocamos em muitos bares, hoje extintos (não por culpa nossa). Andrade, Pote, Brasileirinho e tantos outros. Também dávamos expediente aos domingos a noite no “Botecão” (perto da Paulista), onde tinha macarrão ao sugo “de grátis” e onde eu conheci grandes sambistas do naipe de Odair do Cavaco, Cebolinha, Silvião do pandeiro e tantos outros.

Daí porque inicio esta homenagem aos meus queridos amigos (até hoje) companheiros de conjunto (na época ainda não se chamava “banda”). Além deste que vos escreve, ao cavaquinho, a troupe ainda contava com Gabriel na timba, Dé no pandeiro, Mauro no ganzá e no charme, Ronaldo no tamborim e nas relações públicas principalmente com as mulheres (infelizmente já falecido) e alguns outros bissextos. Desses, um carinho especial ao Maugéri Sobrinho, também já falecido. Um velhinho simpaticíssimo cujo apelido era “azulejo” (em razão da calva brilhante) e compositor da música “a taça do mundo é nossa”, além do hino do Santos Futebol Clube (agora quem dá bola é o Santos...). Esse simpático senhor nos acompanhou ao violão e ao bandolim brilhantemente. Saudades!

Outro violonista de 7 cordas sensacional que nos acompanhou na época foi o grande João Macacão, que muito nos ensinou e até hoje está na ativa (ainda é novo). Continua um ótimo amigo! Teve ainda um terceiro violonista, também já falecido, Seu Mário do 7 cordas, que havia tocado no regional do caçulinha na juventude e após sua aposentadoria nos procurou e ofereceu seus serviços tendo a séria intenção de terminar a vida fazendo o que mais gostava. Conseguiu e hoje temos orgulho de ter tocado com ele, uma das pessoas mais doces e educadas que conheci. Saudades!

O grande cavaquinista Seu Moreira, amigo de Paulinho da Viola e enfermeiro aposentado do HC, com quem muuuuuiiito aprendi. Saudades!

Essas pessoas todas não sabem disso mas forjaram em mim o mais profundo amor pelo samba, pelo choro e, principalmente, a paixão de tocar um instrumento num grupo.

A partir daí a história definitivamente se abriu num leque maravilhoso. Toquei com e conheci tanta gente boa e competente que às vezes fica até difícil lembrar de todos.

No saudoso Clube do Choro (e na “rua” do choro) conheci músicos maravilhosos. Infelizmente vários já se foram. O cantor Rubão, incrível voz negra que mandava o recado sem microfone. Gentil do Bandolim, também conhecido como Canhoto, Seu Tavinho no cavaco, Xixa do cavaco, Carioca no violão de seis, Manezinho da Flauta que dizia ser sobrinho do Pixinguinha (até hoje ninguém sabe se era mesmo), o maravilhoso flautista Carlos Poyares, e quanto aos felizmente vivos, o sensacional clarinetista Stanley, Zé Barbeiro, Cidão do 7 cordas, Miltinho, enfim, tanta gente...

Na Praça Benedito Calixto, um belo dia, surgiu um bar que ficava aberto até altas horas, o Vida e Arte, e onde todos os músicos da região iam fechar a noite após terminar o “expediente”. Desnecessário dizer que tudo acabava em samba até os primeiros raios do astro rei! (bonito isso hein?!).

Lá conheci e me tornei amigo (até hoje, para a minha sorte) do incrível compositor e violonista Antonio Mineiro, do Dr. Francisco Aguiar também conhecido como Chico Médico, cantor de vasto repertório de samba e meu médico até hoje, do talentoso violonista e cantor João Lúcio, meu amigo e parceiro (em várias músicas) e tanta gente mais...

No maravilhoso bar Vou Vivendo, legítimo herdeiro do Clube do Choro, fui vivendo noites incríveis. Assisti Hermeto Paschoal, Francis Hime, uma das últimas apresentações da maior cantora que já vi, Elizete Cardoso, o ótimo grupo vocal Canto a Canto e fiquei amigo da minha querida Jane do Bandolim, ou Jane da Bandola, como ela se auto-intitula.

No (talvez) melhor bar de música brasileira da história de São Paulo, Boca da Noite, também vi e vivi noites memoráveis. Lá conheci Filó Machado, Paulo César Pinheiro, Eduardo Gudim, Maria Marta, Elton, Julinho e tantos outros cabras maravilhosos...

Continua ....

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