domingo, 16 de janeiro de 2011

As Velhinhas da Vila Pompéia - por Mario Mammana

Cansado das férias (como se isso fosse possível) aqui estamos nós outra vez.

O Todopoderoso e os leitores desse blog são testemunhas de que em mais de dois meses desde o meu primeiro texto, nunca critiquei nenhum dos bares mencionados pelo simples prazer de criticar. Ao contrário disso, rasquei elogios, abusei dos adjetivos e dos superlativos dos adjetivos, ressaltando quase sempre os aspectos positivos de cada estabelecimento tratado. Mas as vezes coisas desagradáveis acontecem e esta coluna se transforma em minha única via de resposta. O que me aconteceu antes do Natal, por exemplo, é digno de menção e mais, é digno de crítica, a mais justa quanto possível.

Sabadão a noite, termômetro na casa dos 26 graus, calor de rachar, estávamos eu e minha patroa voltando de uma festa em família, já imaginando que teríamos problemas de trânsito para chegar em casa, já que, como mencionei anteriormente, moramos no coração da Vila Madalena. Acrescente-se a isso a época natalina e a mania do paulistano de sair de carro no sábado a noite para ver a decoração de natal da Paulista ou a árvore do Ibirapuera. Que saco! Horas e horas de trânsito no sábado a noite! Daí quando digo que odeio essa época do ano recebo olhares de reprovação dos que cultuam o advento.

Nada mais inteligente nessas circunstâncias portanto que fôssemos, eu e a patroa, tomar a saideira em algum canto da cidade até que o trânsito melhorasse. Rumamos para os lados da Lapa, Vila Romana, Vila Pompéia e adjacências, ou como querem alguns, a “nova” Vila Madalena em quantidade de botecos. Porém, assim como nas questões do sexo, quase nunca quantidade significa qualidade.

No primeiro bar simpático que avistamos, o qual infelizmente eu não me lembro o nome mas sei que ficava na esquina das Ruas Duílio com Coriolano, já fomos pessimamente tratados. Uma mesa na calçada estava dando sopa, quase que pedindo: “me senta, me senta”. Um garçom prontamente apareceu dizendo que estava recolhendo as mesas de fora, sem antes dizer boa noite. Olhei no relógio. Meia noite e quinze. Argumentei com ele que a lei determina que as mesas de fora sejam retiradas uma da manhã e que portanto ainda teríamos 45 minutos para desfrutar da boa brisa da Lapa, bebendo uma inocente cerveja. Mas o que é a lei?! Exageros a parte, a lei, ou os que fazem as suas próprias, só privilegia quem odeia ver seu semelhante se divertindo. Quando beneficia quem se diverte ela não vale tanto assim. Não houve acordo. Disse um bom palavrão e fu i embora. A semelhança entre as lapas paulista e carioca se encerra no nome.

Corremos então para o Bar Pompéia (Rua Dr. Augusto de Miranda, 712), que eu conheço de priscas eras. Meia noite e vinte e cinco. Sentar na calçada nem pensar, então já entrei e me aboletei numa mesa “dentro” do bar.

De prima, dois garçons se aproximaram, cada um com um simpático recado. O primeiro: “a cozinha já está fechada”. O segundo: “em cinco minutos vamos fechar a chopeira”. O que eu vou ficar fazendo aqui então? Admirando o azulejo branco das paredes? O piso de ladrilho hidráulico? O balcão de mármore? O ar de falso boteco-antigo? Não agüentei. Perdi a esportiva como no último jogo do meu time e falei o que precisava ser dito.

O garçom, com um sorriso amarelo-icterícia, percebeu o meu desagrado. Tentou ainda ser simpático e contra-argumentar. Disse que não existe, no bar, dois turnos de funcionários e que eles estavam trabalhando desde a uma da tarde. Mas tive a impressão de que este não era um problema meu e sim do dono do bar (estaria eu certo?). Ele que coloque então dois turnos antes que o bar vá para a cucuia e que ele fique se perguntando onde errou. O segundo argumento era de que várias velhinhas residem nas redondezas e reclamam do barulho que as pessoas fazem “falando dentro do bar”! Perguntei se os clientes do bar não reclamam do barulho que as velhinhas fazem colocando a televisão no último volume. Nunca ouvi falar de velhinhas com a audição tão apurada!

Sem querer ofender ninguém, entendo que as pessoas que tem problemas com barulho devem morar em qualquer lugar do planeta. MENOS em São Paulo. Que tal o Saara ou uma chácara bem afastada da civilização? Melhor não também. Talvez essas pessoas saíssem de madrugada assassinando cigarras e multando sapos.

Bebi os dois chopes que o garçom me autorizou beber, como se fosse um favor, belisquei os parcos tremoços que ele ofereceu “por conta da casa”, como se fossem pedregulhos e fui embora espumando mais que sabonete caro.

No conforto da minha residência fiquei acordado até as 4 da matina ouvindo uma banda de pagode tocar num bar atrás da minha casa, “em alto e bom som”, com o baterista se esforçando para aparecer mais do que os outros. Pensei maldosamente que as velhinhas da Vila Pompéia deveriam fazer um estágio na Vila Madalena. Se sobrevivessem estariam salvas! Ou talvez nem sobrevivessem.

Mas logo adormeci sem encher o saco de ninguém, lembrando Flaubert que dizia: “Estamos todos num deserto: ninguém compreende ninguém”. Meu último pensamento conexo foi como nós, pobres paulistanos que hoje habitamos um colégio de freiras e que temos como única alternativa de lazer os shoppings centers lotados, poderemos ser felizes novamente?

2 comentários:

  1. Mário, entendo muito bem o ocorrido! E vou dizer que para mim você pode, sempre, dizer que destesta esta época do ano que entenderei de coração. Esse final de ano pensei que teria uma síncope, enfarte ou suicídio mesmo! Em relação a frase de Flaubert eu acrescentaria "...e a generosidade foi pra pqp!"
    Adorei seu texto!

    ResponderExcluir