domingo, 22 de maio de 2011

El Dia Que Me Quieras - por Mario Mammana

Você anda pelas ruas, cansado após um longo dia de trabalho e o estômago dá os primeiros roncos de fome, disfarçados pelos roncos dos motores dos automóveis engarrafados. Então você passa pelo bar da esquina e o único croquete de carne remanescente da vitrine dá uma piscada para você. Sim, ele te deu mole, ele te quer, ele está te esperando há dias. E então você ouve a trilha sonora: “el dia que me quieras”....irresistível. Você devora o combalido acepipe com a volúpia dos etíopes e vai embora. Antes de chegar em casa é o intestino quem te dá os primeiros e inconfundíveis sinais de que foi intoxicado e você ouve a trilha sonora: “adiós muchachos, compañeros de mi vida”......Corre para o trono e passa a noite lá. E dá-lhe retocolite ulcerativa e dá-lhe colonoscopia e dá-lhe imosec.

Essa lamentável cena nunca aconteceria se o bar em questão fosse, por exemplo, o “Empanadas” (Rua Wisard, 489). Lá, deliciosas e saudáveis empanadas o aguardam em sortidos sabores: carne, frango, palmito, carne-seca, roquefort....mas seja tradicionalista e prefira as de carne. Elas não param de sair do forno, sempre fresquinhas e bem quentes. Para acompanhar, cervejas trincando de geladas. Essa combinação pelando e trincando é o que de melhor a casa tem a oferecer, mas existem outros pratos, sanduíches e porções que nem vou levar em consideração.

Em 1980 a Vila Madalena ainda era apenas um reduto de moradores interioranos, artesãos de calçada, bicho-grilos desocupados em geral, estudantes da USP expulsos do CRUSP, atrás dos aluguéis baratos e cineastas com muitas idéias na cabeça e nenhuma câmera à disposição para registrá-las. Nessa época, cartunistas como Angeli ou o falecido e genial Glauco teriam inspiração para criar outros tantos personagens espetaculares, tamanha a diversidade e excentricidade dos nativos. Foi nesse glorioso ano-de-nosso-senhor que o Empanadas veio à luz, fruto da sociedade improvável entre um argentino e um chileno. Sim, porque o que este país tem de bom é que judeus freqüentam a casa de árabes e chineses fazem churrasco para coreanos e japoneses, todos bebendo muita cerveja e convivendo na maior harmonia, independentemente da pinimba que esteja ocorrendo em suas respectivas terras-mãe.

No início era apenas uma portinha e era possível encontrar lá os já mencionados cineastas frustrados discutindo veementemente o último Godard ou Antonioni. Hoje o boteco virou um master/blaster barzão e todas as tribos o freqüentam, de engravatados a rastafaris, de tatuados a patricinhas e, porque não, os neo-bicho-grilos ainda desocupados. E o comando passou para quatro novos sócios, três deles antigos garçons do estabelecimento.

Para mim o Empanadas tem um valor nostálgico e gastronomicamente inovador. Nostálgico porque foi um dos primeiros botecos que freqüentei e inovador porque descortinou um vasto universo de novidades portenhas e me ensinou que Buenos Aires é uma cidade sensacional e que os “hermanos” argentinos são sim caras legais, apesar das piadinhas infames que alguns contam sobre eles. Mas talvez as piadas sejam apenas uma forma de reverenciá-los. Só porque eles sabem fazer churrasco, fazem grandes vinhos, tem mulheres lindíssimas e de vez em sempre nos aplicam vergonhosas sovas no futebol. Só por causa disso! Ah, e produziram gente do calibre de Astor Piazzola, Borges, Maradona e Messi. Só por causa disso!

Mesmo assim, termino contando aquela passagem verdadeira (não é piada) em que um argentino pegou um táxi e foi para uma colina nos arredores de Buenos Aires. Desceu do táxi e ficou horas olhando para a cidade, sem dizer palavra. Até que o taxista perguntou o que faziam ali e ele respondeu dizendo que só queria ver como a cidade se virava sem ele!


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