domingo, 12 de junho de 2011

Jurassic Park - por Mario Mammana

O período jurássico dos bares de São Paulo atingiu o seu ápice por volta dos anos 40, até o início dos anos 50. Antes disso vigia a era paleozóica. Ao contrário de todos os prognósticos alguns poucos bares sobreviveram e chegaram até os dias modernos. Como sói acontecer, os sobreviventes viraram “clássicos”. Os pés sujos da época eram mal vistos, coisa de bebum, apesar de sabermos que toda a boa família de São Paulo sempre teve ao menos um bebum em suas fileiras. Hoje viraram cult.

Os bares “chiques” vieram para suprir essa lacuna. Sem o menor medo de cometer um engano, o bar classudo mais importante que sobreviveu (a duras penas) foi o Pandoro (Avenida Cidade Jardim, 60). A tradução literal do nome seria “pão de ouro” mas o estabelecimento, curiosamente, nunca foi uma padaria e nunca serviu pão.

Fundado em 1953 o barzão atingiu seu ápice nos anos 60 e 70, quando os filhos das boas famílias o freqüentavam, após o habitual rolê na Rua Augusta, com seus possantes opalas e dodges charger RT ou suas reluzentes Hondas CB 750 four. Sim senhores, esse hábito incompreensível de rodar por aí, sem nenhum objetivo, apenas para exibir carros ou motocicletas, esbanjar inutilmente a preciosa gasolina, fritar pneus em arrancadas e poluir o planeta não é uma novidade entre os paulistanos. A cidade sempre teve uma inequívoca vocação para andar motorizada. Mais incompreensível do que isto considero apenas o hábito de ir ao aeroporto de Congonhas para ver, do terraço, aviões decolando e pousando. Até hoje isso acontece em Guarulhos. Que falta nos faz a praia!

Voltando ao assunto, nos anos 90 e início do novo século o Pandoro experimentou uma inevitável decadência, na mesma proporção da derrocada das fortunas dos que o freqüentavam. Chegou mesmo a falecer e ser enterrado por dois anos, ressurgindo de cara nova em 2008 nas mãos de novos donos. Mas a alma e os fantasmas, dizem, permaneceram. O bar espelhado continua lá e o lendário (e provavelmente septuagenário) barman Gulhermino também. De suas trêmulas mãos sai o drinque que se tornou o carro chefe da casa: o “Caju Amigo” (que após três ou quatro doses se transforma rapidamente no seu pior inimigo). Exaustivamente copiado e nunca superado o clássico drinque leva uma mistura de vodca (bebida da moda em tempos de guerra fria), açúcar, gelo, suco de cajú concentrado e uma compota de caju morto estranhíssima de se ver (parece o feto de algum animalzinho, nem olhe muito). Além disso duas gotinhas de um componente secreto cuja fórmula morrerá com Guilhermino (pó de pirlinpinpin hidratado ou quiçá o suco de abóbora do Harry Potter). Nem Hercule Poirot descobriria.

Mas tem mais. Um bom chopp Brahma, algumas porções, coxinhas creme, mais de 110 marcas de wiskhy, drinks, pasteizinhos, salgadinhos, empanada de estrogonofe, lingüiça de cordeiro e cervejas nacionais e importadas fazem a alegria dos playboy/boêmios de plantão. A casa possui janelões de vidro no estilo aquário, poltronas "chiques" para bundas mais ainda e móveis garimpados de antiquários, além de um belo jardim com paisagismo típico da década de 50, ou seja, de quando a cidade ainda tinha paisagem. As paredes são decoradas com 78 caricaturas de seus clientes, o que para mim soa como um catálogo do programa do Amaury Puxasaco Júnior.

No mais, o Pandoro voltou a ser o que sempre foi, um ultimate fighting da paquera para cinquentões e sessentões descasados (os mesmos que freqüentavam a Rua Augusta nos anos 70) que hoje estacionam suas harleys e seus jaguares em frente ao bar e ficam horas discorrendo sobre o carburador XYZ enquanto disparam olhares tipo tigrão-um-ponto-oito para as gatinhas quarentonas ao lado. Já foram endinheirados. Ou ainda são, sei lá. Mas a esse respeito termino citando o intelectual inglês Maurice Baring que dizia que “se quiserdes saber o que Deus pensa do dinheiro, é só olhar a quem ele o dá”.

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