domingo, 17 de julho de 2011

A Felicidade é .... - por Mario Mammana

Quem dentre os mortais não tem uma história de genuína felicidade para contar? A pureza, a inocência, a honestidade, valores tão antigos quanto desprezados hoje, pautaram histórias de superação, de trabalho e dedicação, principalmente (mas não exclusivamente) entre os imigrantes que adotaram a cidade nos séculos anteriores. Por isso hoje quero contar a história de um bar que tem o mesmo nome da matriarca que o comanda, chamado “Dona Felicidade” (Rua Tito, 21). Tudo começou em 1934, quando dois portugueses, Sr. Manoel Bastos e Dona Felicidade Bastos, desembarcaram no Brasil ainda meninos, o Sr. Manoel com 12 anos e Dona Felicidade com 9. Vieram em navios diferentes, mas com algo em comum: a vontade de construir um futuro, uma família, uma vida. Como todo imigrante, seus objetivos eram o de prosperar e vencer. Naquela época o trabalho era o único caminho.

Casaram-se em 1945, quando a 2º Guerra Mundial fazia parte do cotidiano. Em 1946 o Sr Manoel comprou junto com alguns sócios um pequeno bar no Brás, mas como ele mesmo dizia, “sociedade termina uma parte com o dinheiro e a outra com a experiência“. Pois foi assim, ele saiu com a tal experiência e a vida continuou, simples, honesta e dura. A família aumentou para um total de “cinco filhos maravilhosos”, como diz Dona Felicidade e o Sr. Manoel, nos anos 50, adquiriu uma mercearia na Avenida Pompéia. Todos conheciam o Sr. Manoel no bairro. Seus petiscos e sua simpatia eram elementos de um marketing espontâneo difícil de se ver hoje em dia.

Na época a mercearia de esquina, como todas, não servia refeições. Mas havia sim uma pequena copa para os petiscos e a cerveja sempre gelada. Mas Dona Felicidade fazia questão que o Sr. Manoel almoçasse em casa. Como moravam no predinho em cima da mercearia, era fácil, apenas alguns lances de escada e pronto ! Nos dias de maior movimento ela trazia o almoço para o marido na própria mercearia e os clientes perguntavam ao Sr. Manoel sobre a possibilidade de conseguir um “pratinho“ para eles também. Cansada de subir e descer as escadas Dona Felicidade disse ao marido : - Mané, acho melhor a gente descer o fogão aqui pra baixo!

Foi assim que a mercearia dos anos 70 se transformou em uma “lanchonete“, onde se servia uma comida caseira maravilhosa, feita por Dona Felicidade. Vinha gente de todo canto da cidade e muita gente famosa começou a aparecer por lá para cometer o pecado da gula sem culpa.

O “boteco” ganhou um apelido interessante. Em razão do toldo que não cobria todas as mesas externas começou a ser chamado de “Pé Prá Fora”, e pegou! O apelido e o boteco.

Nos anos 90 Sr. Manoel desencarnou e Dona Felicidade, no comando da família, resolveu mudar o boteco para o endereço atual, um grande galpão na Rua Tito, com todo o jeitão de ter sido um depósito ou uma fábrica em priscas eras.

Dona Felicidade, com mais de 80 anos, continua pilotando a cozinha maravilhosa. A começar do bolinho de bacalhau, totalmente excelente. Calma que tem mais! Quanto aos pratos, o que você me diria de um filé mignon ou uma picanha, ambos ao alho? Ou uma costelinha suína na brasa, um carré de cordeiro, ou um virado a paulista e uma feijoada, tudo feito no capricho?!

O ambiente despojado pede uma boa variedade de cervejas e nesse quesito nossas preces são plenamente atendidas: são 38 rótulos incluindo a rara Therezópolis, a excelente argentina Quilmes e a família Baden Baden de Campos do Jordão, recentemente adquirida pela Ambev (pena).

Apenas os horários de funcionamento, bastante restritos, contam ponto contra. Eu já dei com a cara na porta algumas vezes e, pior, quando a fome bate. No mais, o Dona Felicidade é felicidade pura mesmo! E para terminar citando o atualíssimo poeta francês Nicolas Chamfort, digo que “dá-se com a felicidade o que se dá com os relógios: os menos complicados são os que enguiçam menos”!

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