domingo, 5 de junho de 2011

Guaraná com Rolha - por Mario Mammana

Dá uma certa dorzinha nostálgica a gente pensar que em mil novecentos e guaraná com rolha existiam na cidade dezenas de opções de botecos com boa música brasileira, no melhor estilo um-banquinho-e-um-violão. Já tratei aqui de falar de alguns deles que bravamente resistem ao chamado dos novos tempos, aos apelos de fácil digestão do mercado brasileiro, que virou uma grande Miami musical como disse Antonio Abujamra. Mas tudo isso, tanto os botecos quanto essa enfadonha discussão, já fazem parte do século passado. Pior, do milênio passado!

O que nos resta é engolir a almôndega estragada dos bares de música sertaneja, de pagode e de música eletrônica. Apenas isto nos restou. Antes não tivesse restado nada! Mas durante o tempo em que torcemos e aguardamos pacientemente pela derrocada e ostracismo inexorável do pagode e da música sertaneja, comemorando ruidosamente cada cd vendido a menos, ainda temos alguns poucos lugares para ouvir um pouco de música de verdade. Um desses lugares não é bem um boteco. Pelo menos por fora não parece. Nem placa, nem nada em sua fachada indica que ali dentro funciona um bom reduto de música de qualidade. Toca-se uma campainha e um mundo se abre. Na verdade é um clube. O “Julinho Clube” (Rua Mourato Coelho, 585).

Conheci Julinho Camargo quando ainda era um dos bons músicos do lendário bar Boca da Noite, no Bixiga, revezando o palco com Filó Machado, Elton e a grande cantora Maria Marta. Depois ele abriu um bom bar de música na Rua Pinheiros: o extinto Bartitura. De alguns anos pra cá Julinho e alguns poucos amigos, em sistema de mutirão, reformaram uma velha casa e abriram o clube. E faz sucesso! Principalmente às quintas-feiras quando no espaço se reúne o Clube da Boemia!

Recentemente lá estive para ir ver um show do excelente cantor e compositor Lula Barbosa (aquele do “Mira Ira” no festival da Globo dos anos 80), que infelizmente poucos conhecem. Tive a melhor das impressões. Ambiente aconchegante, escuro e com velas acesas nas mesas, um pequeno mas bem achado palco, atendimento simpático conduzido por moças bonitas, cervejas geladas, algumas boas porções (pastéis, por exemplo) e boa música. Sim, a velha fórmula ainda funciona, por mais antiquada que pareça.

Não teria muito mais a falar sobre cardápio, marcas de cerveja, acepipes e congêneres mesmo porque só estive lá uma vez e sem fome (mas com alguma sede). Posso falar, isso sim, que o lugar é despretensiosamente nostálgico e tranqüilo. Impossível entrar lá sem receber uma lufada de memórias agradáveis de outros tantos lugares bacanas do nosso passado, de bares que não existem mais (eu teria dezenas para citar) e, sem querer ser repetitivo, de excelente música. Aqueles que tem RG abaixo de 12.000, como eu, sabem bem sobre o que estou falando.

Como detalhe adicional, na parede do palco existe um painel que é réplica fiel do desenho da parede do já mencionado Boca da Noite, com a representação gráfica dos grandes nomes da música brasileira. Ver isso ocasiona uma lágrima furtiva e insistente no canto do olho.

Pedi licença ao Julinho para falar de seu espaço aqui (que ele gentilmente concedeu) porque o lugar não pretende escancarar suas portas e virar mais um botequinho de Vila Madalena. Então, recomenda-se um certo segredo, falar baixinho para que as hostes bárbaras não nos escutem e para que o lugar continue sendo o que genuinamente é: simpático, tranquilo e aconchegante. E para falar de simpatia, vale lembrar a lição do grande prosador espanhol Baltasar Gracián que disse que “a simpatia consiste num parentesco de corações e a antipatia num divórcio de vontades”.


3 comentários:

  1. Conheci o Bar Boca da Noite no final dos anos 70.

    Além do Julinho e do Filó, lá também se apresentavam o Geraldo Cunha e o Celso Miguel.

    Foi um lugar mágico ... só posso sentir saudades

    Rita Ferrara


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  2. Além de toda essa turma, vi o Zé Keti. Havia um violonista, se não me falha a memoria, chamado Euclides. E uma cantora que tinha um tom de Elis Regina. Eu chegava às nove horas, no máximo, para pegar uma mesa e saia às três da manhã. Era mágico. Lembro-me de um sujeito cantando e tocando igual ao Djavan. Era muito mágico.

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  3. Nossa que saudades, frquentei o Boca na década de 80 e como era mágico.
    Hoje moro em Brasília, mas sempre comento do Boca da Noite. Adorava a todos, mas tinha uma coisa muito especial, eu vivia pedindo para o Julinho cantar Aventura do Dussek. Eaa tudo muito espcial.

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