domingo, 20 de março de 2011

O Pulo do Gato - por Mario Mammana

Todos sabem que as fábulas são narrativas fictícias que visam dar representação concreta principalmente a um conceito moral, procurando sempre emprestar uma característica real àquilo que é fantástico. Geralmente as fábulas transferem para os animais as qualidades e sentimentos próprios do homem, fazendo largo emprego da prosopopéia, a figura de linguagem que dá movimento, ação, vida e voz a coisas inanimadas. Os fabulistas ocidentais antigos nos deixaram obras sensacionais, e dentre eles, o grande divulgador certamente foi o grego Esopo (século VI a.C.), considerado o inventor do gênero. Na Idade Média, La Fontaine reviveu esse tipo de literatura com características inerentes à época. Também no Brasil podem ser encontrados registros de fábulas assemelhadas, como a da onça, que admirada com a habilidade demonstrada pelo gato, pediu-lhe que a ensinasse a saltar e pular da mesma forma como fazia. O gato então passou a dar aulas à onça, até que esta, achando que já era doutora no assunto, resolveu jantar o seu professor. Mas no momento em que deu o bote, o jantar pulou para trás e desapareceu do cenário. Dias depois, os dois animais se reencontraram, e foi então que a onça comentou meio sem jeito: “É, amigo gato, aquele pulo você não me ensinou!” E o bichano demonstrando a malandragem brasileira respondeu: “Pois é, dona onça, graças a ele é que estou vivo até hoje”.

Daí nasceu a expressão “o pulo do gato”, para alertar de que nem tudo deve ser ensinado ao aprendiz, sob pena de amanhã ele pretender substituir o mestre. Também daí se originou a figura da “Dona Onça” e esta imensa e enfadonha introdução é justamente para falar do “Bar da Dona Onça” (Avenida Ipiranga, 200 – lojas 27/29) que, aliás, não tem esse nome por causa da fábula e sim em razão do apelido do marido da dona. Pois é, voltamos ao velho centro da cidade!

Quando projetou o Edifício Copan nos anos 50, Oscar Niemeyer certamente ainda não sabia que o seu prédio de conceito arquitetônico revolucionário, projetado para lembrar a bandeira paulista tremulando, iria abrigar no andar térreo um bar tão interessante. A começar da decoração, mezzo moderna / mezzo nostálgica, aproveitando as estruturas do sexagenário salão. A cozinha fica no mezanino e o vidro que a separa do resto do ambiente nos permite ver os artistas trabalhando. E dali saem maravilhas! Os petiscos são de matar de emoção! Filé a parmegiana aperitivo, sardinhas espalmadas (empanada só na farinha de trigo), o classicão coquetel de camarão, moelinhas de frango ao molho, lingüiças artesanais, almôndegas à moda antiga e uma “mini-rabada” que, para mim, é uma das coisas mais bem feitas e saborosas que já experimentei num bar.

Os pratos também são absolutamente originais e bem realizados. Leiam esse parágrafo com moderação e procurem não babar. Cazuela de frutos do mar à espanhola, Camarão com chuchu e farofa de ovos, arroz de suã (para quem não sabe, a coluna vertebral do porco, com pedaços do lombo), carne moída refogada com azeitona e ovo, frango com quiabo, porco à milanesa com purê de batatas e alho negro, dobradinha e língua de boi ao molho madeira, são apenas alguns exemplos do extenso e inusitado cardápio. A chef e proprietária do pedaço, Janaina Rueda, explica que começou a cozinhar para o marido, Jefferson Rueda (também chef e proprietário do ótimo restaurante Pomodori, no Itaim), para que este não precisasse cozinhar em casa, depois do trabalho. E gosta de cozinhar tudo na panela de pressão, o que parecia ser um crime culinário para mim. Ela provou que não é, mas o “pulo do gato” eu não sei. De quebra, o cardápio ainda tem ótimas sopas (a de cebola com músculo me parece uma ótima pedida) e as massas artesanais e excelentes do restaurante do maridão. É um templo de louvor à culinária simples e caseira, levado às últimas conseqüências.

Para fechar, o bar tem uma ótima carta de cervejas, com 26 rótulos e ótimas sobremesas. Nem precisava (ou melhor, precisava sim!). O grande pensador Voltaire dizia que “não há prazeres verdadeiros senão com necessidades verdadeiras”. Acreditem, depois da primeira visita que é um grande prazer aos sentidos, voltar ao Bar da Dona Onça se transforma em necessidade!!!

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